3 de fevereiro de 2015

Os supertenistas por trás dos técnicos

Stefan Edberg, Boris Becker, Michael Chang, Magnus Norman, Ivan Ljubicic, Martina Navratilova, Lindsay Davenport, Amélie Mauresmo. Esses foram alguns nomes que pautaram diversas conversas durante o Australian Open. Em comum, carreiras bem sucedidas dentro de quadra e um retorno ao tênis como treinadores. Nada de revolucionário. O ponto, que parece ter vindo mais à tona em Melbourne, é que eles estão cada vez mais em foco e até “roubam” os holofotes que, naturalmente, pertencem aos atletas.

Em 2012, quando Andy Murray trouxe Ivan Lendl de volta ao tênis depois de quase 20 anos, a aprovação dava conta de que, além do trabalho nos treinamentos, o tcheco-americano diluiria o peso que o britânico carregava extra-quadra. As atenções não teriam um único alvo. Funcionou enquanto durou: 2 troféus de Grand Slam e ouro olímpico em quase 3 anos. Com o fim da parceria, Murray se juntou a Mauresmo, ex-número 1 e campeã do Australian Open e de Wimbledon. Luta sexista/feminista à parte, a repercussão da escolha – conscientemente ou não –, até agora, tem sido parecida: sobre Murray não há muito que falar, vamos explorar Mauresmo porque é novidade, ele segue sua vida dentro de quadra.


Depois da final de domingo, Murray ouviu 3 perguntas sobre a francesa, 1 delas porque não tinha respondido a anterior. Imagino quantas seriam em caso de título, em uma reciclagem do “britânico quando ganha, escocês quando perde”: méritos de Mauresmo quando ganha, de Murray quando perde.

A parcela de crédito ou culpa de cada técnico, estrela ou não, é sempre difícil de mensurar. Quando o tenista já é consagrado fica ainda menos visível para os espectadores. É improvável uma transformação drástica nas características do tenista e a companhia da estrela no dia a dia parece mais camaradagem e ajuste de um ou outro detalhe para o atleta. Caso de Roger Federer-Edberg e Novak Djokovic-Becker.

Por outro lado, a missão de alçar uma revelação ao topo é diferente, mas também “obscura” em termos de meritocracia. Em novembro, a norte-americana Madison Keys se juntou à compatriota Lindsay Davenport, ex-número 1, com 3 títulos em 7 finais de GS. Naquele momento, a tenista de 19 anos já tinha 1 título, passagem pelo top 30 da WTA e 3 vitórias sobre top 10. Menos de 3 meses de trabalho e no 3º torneio juntas, Keys alcança a semifinal do Australian Open. Quanto foi mérito de Davenport? Novamente, difícil saber. Muitas vezes nem o próprio tenista percebe em que está evoluindo. Mas, voltando ao ponto, a exploração da figura do técnico se mantém. Tanto que, após a derrota para Serena Williams, a jovem pôde se divertir já no final da coletiva com o seguinte fragmento:

Pergunta: Não teve nenhuma pergunta sobre a Lindsay (Davenport) ainda. Você poderia ter feito isso sem ela?
Madison Keys: Você quer dizer que não teve nenhuma pergunta sobre a Lindsay HOJE.


Os “supertécnicos” não dão coletivas pós-jogo e pré-final. Raramente são expostos publicamente pelos seus comandados. Não precisam se justificar sobre essa ou aquela tática de jogo definida junto ao jogador. Muitas vezes exercem a função juntamente com outro treinador. São lembrados imediatamente depois de uma jogada que foge das características do pupilo e dá certo em determinado ponto, o tal “dedo do técnico”. Em resumo, é um ótimo cargo. A menos que você seja Jimmy Connors e vá trabalhar com Maria Sharapova.

Fora da curva
Ainda sobre a supervalorização do técnico – que, é claro, tem o seu valor e a capacidade/responsabilidade de tirar do tenista o melhor que ele pode render –, um assunto explorado além da conta em Melbourne atende pelo nome de Daniel Vallverdu. Recém-chegado à equipe de Tomas Berdych, o venezuelano chegou a receber os créditos pela campanha sólida do tcheco. Campanha esta que já acontece há 5 anos no Grand Slam australiano, com 3 quartas e 2 semis.


Porém, o auge da exploração de Vallverdu, que trabalhou com Murray por bons 5 anos, veio na semifinal que reuniu o atual e o ex-comandado. Antes, durante e depois do jogo o nome (e a importância) do treinador foi exaustivamente exaltado. Talvez se a mudança de técnicos de Murray não fosse tão recente a repercussão seria menor. Talvez não. O britânico rechaçou o exagero tanto na entrevista ainda na quadra como na coletiva pós-jogo e, em uma fala mais abrangente, lembrou quem ganha ou perde cada partida, de fato.

“Todos podem entrar no jogo com um plano ou ideias de como quer jogar. Mas coisas que você acha que vão funcionar nem sempre funcionam, você precisa ser capaz de fazer ajustes no meio do jogo. É aí que não se trata, necessariamente, do treinador”

Depois da curva
Acrescentando à frase acima, outro aspecto interessante em Grand Slam é observar como os principais nomes do circuito se preparam para adversários pouco conhecidos, de resultados e ranking modestos. O velho “eu nunca olho a chave” ainda reina, só para depois de aposentado o tenista escrever em um livro que olhava, sim, a chave. Serena Williams antes da estreia, por exemplo, quase chegou a dizer que só descobre quem é a sua adversária quando entra na quadra!

Pergunta: O que você sabe sobre a sua primeira adversária? Você sabe alguma coisa? O nome dela é Alison.
Serena Williams: Eu não sei com quem eu jogo. Eu nunca olho a chave. Eu acho que o nome dela é Alison. Eu sempre tento me manter muito focada.

Pergunta: Ela é belga.
Serena Williams: Ok.

De volta ao assunto 15 perguntas depois:

Pergunta: O sobrenome da sua adversária, você pode dizer?
Serena Williams: Eu não olho a chave. É, eu nunca olho a chave. Eu ouvi que o seu nome é Alison.

Pergunta: O sobrenome é Van Uytvanck.
Serena Williams: Eu nunca sei nada. Eu nunca olho a chave, então...


Cada tenista sabe como gosta de encarar os seus adversários e parte da análise dos rivais é função do treinador. Porém, uma coisa é reproduzir o clássico “não me importo que favoritos caiam precocemente porque estou longe de eventualmente enfrentá-los” e outra é dizer que não se importa com o seu próximo adversário. Quase um complexo de futebol brasileiro: eu sou o melhor e não preciso me preocupar com o outro time; faço o jogo que eu gosto e eles que precisam se adaptar ao meu estilo. Funciona enquanto funcionar...

Em geral, a abordagem dos homens me parece mais cuidadosa e até mesmo mais respeitosa – com o tenista e com o esporte. Fiquemos com 3 exemplos deste Australian Open para encerrar:

Djokovic, perguntado sobre Gilles Muller antes do confronto inédito de oitavas de final:
“Mesmo que eu nunca o enfrentei eu o vi jogar muitas vezes, porque ele está no circuito há um tempo, foi o melhor juvenil do mundo, tem um grande jogo, um grande serviço, vai à rede, o que não é algo que muitos jogadores fazem hoje em dia. Tem um bom saque com slice, é um jogador muito agressivo. Sofreu com algumas lesões nos últimos anos, mas acho que nos últimos seis meses ele tem jogado perto do seu melhor tênis. Ele definitivamente merece respeito, pela experiência que tem, por alcançar a 4ª rodada, as finais (semifinal) de Sydney na semana passada, então ele está em uma boa sequência”.

Serena, questionada se o “estudo” sobre adversárias que ela não conhece muito bem é feito na quadra ou em pesquisas antes do jogo, respondeu:
“É algo que eu sempre fiz na quadra”.

Petra Kvitova, após a derrota para Keys na 3ª rodada:
“Durante o jogo eu não gosto de tentar descobrir o que está acontecendo se ela está jogando tão bem. Eu ainda estava tentando focar em mim”.


Fotos: Getty Images (1 e 3) e Tennis Australia.