Eu podia estar julgando campeão patrocinado por ditador sem
saber se os outros 11 concorrentes não têm fontes tão ou mais sujas – e
públicas – para realizar a “maior festa do planeta”. Eu podia estar condenando
o doping (hã?) e um negócio sendo assumidamente um “blogueiro especializado” em
outro negócio (que tem bola, grama e apito). Eu podia estar falando do apito –
ou da polícia, ou de mortes – de um negócio em que do que menos se fala é do
próprio negócio. Eu podia estar apostando em alguns filmes sem vê-los porque
depois da premiação não vão conferir se foram apostas certeiras ou furadas. Mas
já tem muita gente falando tudo isso – e às vezes falando tudo isso ao mesmo tempo.
Fiquemos mesmo com o tênis, aquele esporte monótono e
demorado. Dobradinha Brasil-Rio Open é uma oportunidade preciosa para quem
geralmente não entraria em torneios assim – e, para todos, duas chances de
jogar no Brasil, em um circuito em que há mais viagens do que toss recolhido
pela Sharapova. Em 2014, Thomaz Bellucci e Teliana Pereira aproveitaram muito
bem as semanas de Rio-São Paulo. Este ano, na ordem invertida no calendário,
fizeram bom proveito João Souza e Bia Haddad – e Gabriela Cé.
Antes do “caso” Bellucci-Feijão-número 1-Copa Davis-João Zwetsch,
alguns desavisados devem pensar: ou quem viaja até o Brasil está
desinteressado(a) ou o(a)s brasileiro(a)s deveriam ter rankings muito melhores.
Na verdade, poderiam. Deveriam, se fosse uma ciência exata. Exemplo: Teliana em
2014 era 98ª da WTA e somou no Rio + Florianópolis, mesmo com a mudança de
piso, 4 vitórias. 3 dessas sobre adversárias de melhor ranking, na época (60,
66, 81). Teliana não chegou a ser 60 do mundo (ainda). No meio do caminho
acontece, a cada semana, troca de piso, de altitude, lesão, mudança de
calendário, um jogo que escapa, um dia ruim, uma chave mais dura, etc, etc.
E não é sempre que o fator torcida vai colaborar. Por isso,
há de se aproveitar as raras oportunidades em casa (Florianópolis este ano
mudou para o final de julho), e não esperar que Bia, 234ª, deve estar no top 100 em um piscar de olhos porque ontem ganhou da
77ª da WTA. A canhota pode estar.
Devagar e sempre. (Independente do que aconteça diante da italiana Sara Errani,
16ª e cabeça de chave 1 do torneio, em instantes).
De volta ao masculino, a bola da vez é nego drama. Feijão repetiu as campanhas de Bellucci em 2014: semi
em São Paulo e quartas no Rio (boas chances de ir à semi logo mais, contra o
austríaco Andreas Haider-Maurer). E começam as comparações incomparáveis.
Antes dos torneios no Brasil, Bellucci tinha em 2014 um
ranking pior do que Feijão em 2015, muito por conta de um 2º semestre de 2013
desastroso. A empolgação com as duas semanas foi muito grande, por motivos
diferentes. Para Bellucci, era retornar ao top 100 e, quem sabe, a posições
mais altas que ele já ocupara anteriormente, pra ser cabeça de chave nos
torneios maiores, etc. Para Feijão, agora, é o melhor momento da vida. E aí já
aparece o 1º ponto a se considerar: a expectativa que público, imprensa,
patrocinadores, etc tiveram sobre cada um nos últimos anos.
Algo muito produtivo em torneios é poder trocar ideias,
teses e opiniões novas (ou antigas, com visões novas). Em uma dessas
discussões, ouvi que a torcida fica muito mais do lado de Feijão no Brasil. Não
entro no campo de carisma, vibração, identificação. Acredito que um ponto
importante, muitas vezes deixado de lado, é a expectativa por resultados de
cada tenista. Bellucci entrou no top 100 em meados de 2008 e desde então é o “alvo”
do tênis brasileiro. Vez ou outra havia Marcos Daniel, Ricardo Mello, Thiago
Alves, Feijão e Rogério Dutra Silva no mesmo torneio ou em outra chave de ATP
pelo mundo. Feijão, cinco meses mais novo que Bellucci, teve entradas e saídas
do top 100 em 2011 e 2012 e nas últimas nove edições do Brasil Open, apenas 2
vezes jogou sem precisar de wild card ou qualifying. A torcida, que geralmente
o via diante de um adversário de mais “nome” e/ou ranking seguia a linha de “o
que vier é lucro”. E, de certa forma, era mesmo. Fevereiro de 2015 parece ter
mudado isso. A conferir.
Há exatamente um ano, Feijão era o nº 1 do Brasil. Na
ocasião, era mais por conta da queda de Bellucci, já que nenhum estava no top
100, o que difere da situação atual. A evolução do paulista de Mogi das Cruzes
passa pelo mental, físico, confiança, etc desde os Challengers em 2014. A
questão do número 1 me parece supervalorizada, talvez para dramatizar sobre a
fase de Bellucci ou para colocar a Copa Davis em pauta dia sim e dia também. O
fato – que deve se concretizar em caso de vitória de Feijão hoje ou se Bellucci
não chegar à semifinal de Buenos Aires, na próxima semana – é bom para os dois,
e aí entra outra daquelas conversas em torneio.
Bellucci está praticamente há oito anos sozinho – no bônus e
no ônus – recebendo atenção. Ao menos em simples. Tomemos como exemplo a
vizinha Argentina e, aleatoriamente, um ranking de 10 anos atrás. Havia 10
argentinos entre os 80 do mundo. A atenção, e também a expectativa, é dividida entre
vários nomes durante os grandes torneios. Fosse esse o caso de Bellucci e uma
derrota em estreia de Grand Slam, por exemplo, não seria manchete, mas sim o pé
de uma nota contando a vitória de um compatriota, quem sabe.
Nesse aspecto, seria ótimo que, não apenas no Brasil, as
chaves de ATP pudessem ter 4, 5, 6 brasileiros. Só Feijão e Bellucci no top 100
ainda é pouco, o Brasil merece mais, diria o poeta. Merece?
Depois da curva
Do outro lado do mundo, em países de faz de conta – e fazem
muito bem, diria outro poeta – semifinais interessantes no WTA Premier de Dubai: Garbiñe Muguruza X
[17] Karolina Pliskova e [1] Simona Halep X [5] Caroline Wozniacki. Mesmo sem
as principais cabeças de chave de um lado, uma tradição da WTA, vale o início
de ano da tcheca e a busca por um título de peso, também para a venezuelana-espanhola.
Em comum, o fato de que todas nasceram na década de 1990, particularidade que
passa longe da ATP (hoje, 28 das top 100 têm menos de 21 anos; entre os homens,
são 4). Mas isso já é assunto pra outro post. Semifinais, a conferir.
Fotos: Brasil Open.