30 de julho de 2012

Jogando na sombra


Um cara vem andando em sua direção. A velha sensação de “já vi essa pessoa”. Você disfarça, vira pro lado e volta a olhar. Ah, ele joga basquete. Ou jogava? Não é muito novo. Mas é o basquete, parecido com o jornalismo. Os profissionais não se aposentam. Pra conviver com a dúvida por muito tempo. Devia ter feito outra coisa. Se for pra fazer plantão, que seja médico. Se for pra jogar, que seja futebol.

Faz tempo que ele joga. Muito tempo. É, ainda está jogando. Não tem como parar. E há uns 12 anos já era veterano. Lembro que jogava no Rio. Esse cara mesmo, certeza. Ano passado estava em Franca. Cheguei a ver um jogo no ginásio, ele quase parecia novo perto dos outros do time. Mas, se em uma tarde durante a semana está aqui, não está mais lá. Óbvio.

Tem um time que é logo ali na frente, uns 5 quarteirões. Deve estar fazendo tratamento médico, se recuperando de lesão. Nossa, com tanto tempo ainda não desiste. Ou foi contratado e está indo treinar. Mas não está usando um tênis próprio de basquete. Não vai chegar em um carrão? Não está bêbado, virado da noite anterior? Não, treino não é.

Se bem que tem uma mochila, o tênis pode estar lá dentro. Não deve querer gastar na rua, só na quadra, com o piso adequado. O patrocinador devia dar mais pares, mandar testar e analisar as pisadas durante um ano e desenvolver o melhor equipamento, de acordo com cada atleta. Ele é um veterano, pô! Já usam até pele de ornitorrinco pra essas coisas. Não, ele só deve querer treinar e jogar, é o bastante.

Então, pra confirmar, vou perguntar se ele é o novo reforço do time. Mas ninguém está parando ele no meio da rua. Vai ver não querem ser inconvenientes. Também não vou ser. Caras assim não devem gostar de tietagem. Ou gostaria de saber que alguém o reconheceu, que acompanha o seu trabalho? Um dia descubro. Ele está indo trabalhar, imagino que queira chegar na hora.

Sobre as outras coisas, meros detalhes, dá pra descobrir chegando em casa. Clube + nome do jogador + posição que joga deve ser suficiente pra confirmar. Pronto, foi anunciado há umas três semanas pra compor o elenco. Está com 36 anos. Sabia que não era muito novo. Pode se dar bem indo pra um time que chegou a 4 semifinais na última temporada e conquistou 1 título. E deve estar treinando sério pra mostrar disposição. Não como muitos profissionais da áreas com especializações diferentes.

Ah, se não fosse do basquete. Poderia estar em um time de uma quinta divisão estadual, fora dos grandes centros. Se alguém inventasse uma negociação, estaria no primeiro destaque de jornais, revistas, sites, rádios. A famosa “especulação”. Não precisa ser pra um time tradicional. Pode ser de uma terceira divisão estadual, é a “notícia” “boa de vender”. Enquanto não se vende, continua no mercado. Há 36 anos. E se...

Depois da curva
Saiu um formato de texto-clichê que tá na moda, né? O leitor acredita que foi assim mesmo que aconteceu e o autor não parece autor. Parece um cara batendo papo no boteco, contando uma história. É fácil imaginar que se está lendo um pensamento. Mas ainda prefiro pensar que está na moda porque é uma das poucas maneiras que o leitor tem conseguido entender um texto, com frases de 5 palavras, sem que ele precise voltar ao início de uma oração quando chegar ao seu final, como acontece com esta.

Mas, e se foi assim que aconteceu?

28 de julho de 2012

3488 + 23 + 89 + 1 + 38 = 250 + 6 + OURO


O primeiro dia oficial de Olimpíadas já foi suficiente para as histórias de medalhistas (e por que não não-medalhistas?) conseguirem encher um jornal nacional inteiro. Mas isso não vai para os records. Ou então daria para encher de posts que não seriam lidos. Prefiro ficar com apenas um.

Conquistas olímpicas podem ficar marcadas por muita coisa. A última competição profissional de um atleta. O nascimento de um mito em potencial. A surpresa aos olhos do mundo. O único título que faltava. Um recorde inimaginável. O triunfo inédito em uma modalidade para determinado país. A euforia do país-sede. A frustração do país-sede. Em época de Phelps, Federer, Bolt, Isinbayeva e alguns poucos outros, as vitórias de outros muitos podem ser banalizadas ou subvalorizadas. Escolho a curva por fora.

Alexander Vinokourov reúne alguns desses aspectos que marcam as conquistas. Não é ídolo mundial. Não é o bom moço. Não tem contratos milionários. É um cara que precisa de apresentação. “Surgiu” para o ciclismo em 2000, com uma medalha de prata nos Jogos de Atlanta. Ao longo da carreira, o ciclista do Cazaquistão venceu provas curtas, como a Liege-Bastogne-Liege e a Amstel Gold Race (2 vezes), médias, como a Paris-Nice (2 vezes, em uma delas, sofreu com a morte de um companheiro de equipe durante a prova e subiu ao pódio exibindo sua foto), e longas, como a Vuelta a Espanha, em 2006. Em meados da última década, seu “auge” teve vitórias em quatro etapas do Tour de France, incluindo uma controversa chegada no Champs-Élysées em 2005.

Por algumas edições da mais tradicional prova ciclística do mundo, foi credenciado como um dos prováveis caras que superariam Lance Armstrong, assim como o foram Ivan Basso, Jan Ullrich e Iban Mayo. Chegou à 3ª posição em 2003 e à 5ª em 2005. Muitas vezes era visto mais como adversário do que como companheiro de equipe de Ullrich e Andreas Kloden na T-Mobile, em seus últimos anos na equipe. Por acreditar que poderia superar Armstrong sozinho e que não deveria estar à sombra dos alemães, comprometia o trabalho da equipe, que poderia até ver dois ciclistas no pódio do Tour, mas nunca na posição mais alta. (O norte-americano George Hincapie deve discordar de sua postura. Recordista em participações no Tour, com 17 aparições, sabia o papel – de coadjuvante – que tinha dentro de sua equipe, mas levou seus capitães a 9 conquistas – 7 com Armstrong, 1 com Alberto Contador e 1 com Cadel Evans).

Há um ano, carregado e com o fêmur quebrado
Em 2006, às vésperas do Tour, sua nova equipe, a Astana, teve cinco ciclistas pegos no exame antidoping e ficou sem o mínimo de inscritos para a prova. Em 2007, Vinokourov abandonou no meio da competição após ser pego em exame antidoping e chegou a dizer que iria se aposentar. Voltou depois de 2 anos de suspensão e, em 2011, rolou em uma curva e teve o fêmur fraturado (vídeo da confusão). Precisou abandonar novamente o Tour e anunciou aposentadoria, aos 37 anos. Mais uma vez, voltou da aposentadoria. Foi coadjuvante no Tour de 2012, mas completou – em 31º, há 1 semana.
Há uma semana, montado

Sim, 3488 km percorridos em 23 dias. Quase 89 horas pedalando. Com 38 anos. Uma semana depois, meros 250 km em uma certa competição que atende pelo nome de Olimpíadas. Em Londres. Todos os holofotes no ídolo Mark Cavendish, sprintista dono de 23(!) etapas do Tour de France, no baixo de seus 27 anos.

Apesar de ser mais longa, em km, do que qualquer etapa do Tour, a prova de estrada que abriu as Olimpíadas na manhã deste sábado trazia muitas semelhanças, o que reforçava o favoritismo de Cavendish – além de toda expectativa pelo primeiro ouro britânico em casa. E se não fosse o britânico, quem seria? Outro sprintista, é claro. Como o eslovaco Peter Sagan e o alemão Andre Greipel, campeão e vice na categoria no Tour, há uma semana. Com 22 e 30 anos, respectivamente.

A típica prova que só sprintistas poderiam ganhar. Longa, mas que o pelotão percorreria em ritmo de passeio. Só no final, aqueles que descansaram (a maioria) e com características de velocidade para a chegada (minoria) estariam no pódio. E, uma semana depois de completar a disputa esportiva conhecida como a mais exigente fisicamente do mundo, o vovô Vino estava pronto para atacar o pelotão antes que ele o atacasse, nos quilômetros finais. Surpreendentemente, ele e o colombiano Rigoberto Uran Uran não foram alcançados. Entre os 38 anos do cazaque e os 25 do colombiano, a experiência levou.

Com o ouro em mãos, Vinokourov disse que terminou o Tour de France um pouco cansado, mas eram as Olimpíadas, ele precisava ir. Não precisava dizer mais nada. Mas concluiu: “Eu encerro minha carreira com essa vitória”. Ele ainda disputa o time trial quarta-feira. Se dessa vez a aposentadoria vai ser verdadeira, veremos. Se o clichê de que “o atleta morre a primeira vez quando se aposenta profissionalmente do esporte” pode ser usado, Vinokourov tem algumas vidas. E também vale o clichê de que ele “vai em paz”.
Hoje, com 38 anos, mordendo
Depois da curva
Ainda entre os vovôs, menção honrosa ao australiano Stuart O’Grady, 38 anos. Completou o Tour de France em quase 90 horas e meia e terminou na 6ª posição em Londres. E tem modalidade que precisa acontecer fora do “período olímpico” pra dar tempo de descanso...

Derrapada
O risco de escrever sobre ciclismo é daqui um tempo aparecer doping pra algum(ns) dos vencedores. Se for o caso, ah, sei lá.

Na reta
3488 km percorridos em 23 dias, por quase 89h pedalando + 1 semana de descanso + 38 anos de idade = 250 km percorridos em quase 6 horas pelo ouro olímpico. Resolvendo a matemática, o valor da medalha é razoavelmente alto.