1 de junho de 2015

O exército de um homem só, Alberto Contador, vence a primeira batalha na guerra pelo Giro-Tour

É tri?

Quando quiser defender que o ciclismo é um esporte individual, citar o Giro d’Italia 2015 é a primeira pedalada para ganhar a discussão. Apesar da Tinkoff-Saxo, o espanhol Alberto Contador conseguiu o feito de conquistar o bi (tri com doping) e o 7º Grand Tour (9º com doping) no último domingo.

A primeira parte da missão impossível foi concluída com sucesso e agora as atenções estão voltadas para o Tour de France, no início de julho. Enquanto Contador anunciava a despedida do Giro, o bilionário e fanfarrão Oleg Tinkov já instigava: “Se ele ganhar o Tour depois do Giro, acho que deveria ir para a Vuelta”.

O campeão e o fanfarrão

A questão principal não é duvidar do espanhol, mas pensar que enquanto ele estava ocupado ganhando um GT, seus principais concorrentes estavam se preparando exclusivamente para a prova francesa. O britânico Chris Froome (Sky), o colombiano Nairo Quintana (Movistar) e o italiano Vincenzo Nibali (Astana), principalmente, são os nomes que dividirão a atenção com Contador. A conferir.

Abaixo, o resumo da última semana do Giro e quais nomes saem em alta ou em baixa do primeiro GT do ano. Antes, a retrospectiva com a prévia parte 1, a prévia parte 2 e TTT, a primeira semana, a punição ao fair play e a segunda semana.

Classificação final

16ª etapa, 26 de maio (terça-feira) – 174km (perfil)
Classificação da etapa e geral (SR e GC)
O melhor dia do Giro até então. Em resumo, o motivo pelo qual se acompanha um Grand Tour. O Passo del Mortirolo (11,8km a 10,9%) e a chegada em Aprica (14km a 3,5%) não deixaram mais dúvidas de que apenas um acidente (literalmente) tiraria o título de Contador.

Não por acaso, o troféu acompanhou a 16ª etapa

Passado o último dia de descanso, Porte abandonou, em uma decisão óbvia depois do passeio na chegada de Madonna di Campiglio. E a etapa foi a maximização do domingo: mais longa, com mais escaladas e mudanças na dianteira.

No pé do Mortirolo – a “Montagna Pantani’ de 2015 –, a Astana, em parceria com a Katusha, parecia ter colocado Contador em apuros, “se aproveitando” de um pneu furado para abrir cerca de 50s do líder restando 44km. Quase sem ninguém da Tinkoff-Saxo – como sempre –, o espanhol tratou de buscar um por um. E sozinho, o que fez da etapa diferente, sem a menor expressão de sofrimento. Algo, aliás, que Aru ainda não aprendeu no jogo de aparências tão explorado na Era Lance Armstrong.

"A cara" do Giro

Nos 2km iniciais a diferença caiu 10s. Nos 500m seguintes, que chegaram a 18%, brutais 13s. O grupo Aru-Landa-Steven Kruijswijk (Lotto NL-Jumbo), holandês que foi extraoficialmente lançado para o mundo nesse 26 de maio, já dava sinais de que não sustentaria a vantagem. E ainda faltavam 6km de subida e outros 14km para Aprica!

Acompanhado de Trofimov e Hesjedal, Contador já tinha a diferença no visual após 3,5km do pé do Mortirolo. Um assombro. Eis que o desastre ficou completo para Aru: ataque de Contador a 39,7km do fim, que só Landa teve pernas para acompanhar e que decidiu o Giro. O resto é história e está no vídeo.


Em 6km (de 44km para 38km), Contador mudou uma desvantagem de 50s para uma vantagem de mais de 1min sobre Aru. Uma quebrada épica no Mortirolo do 3º colocado de 2014 e líder entre os jovens. Com o aval da Astana, Landa foi liberado para “abandonar” o líder (da equipe), acompanhou o líder (do Giro) e, inesperadamente, venceu a segunda etapa seguida.

Hesjedal, bravo como sempre, fez de tudo em seu exército de um homem só particular, mas acabou em 6º no dia, atrás da dupla Trofimov/Amador. Coube ao canadense, porém, a melhor declaração pós-etapa. O campeão do Giro-2012 disse que a Tinkoff-Saxo “aniquilava eles mesmos”, justificando o “isolamento” de Contador porque a equipe russa se preocupava desnecessariamente com a fuga, assumia a ponta do pelotão no início das etapas e não conseguia ajudar o maglia rosa quando ele precisava, nas montanhas, é claro. A bronca de Hesjedal é porque não o deixavam ganhar uma etapa. Então a 11min de Contador, ele achava um absurdo a Tinkoff-Saxo se preocupar quando ele estava na fuga – inúmeras vezes!


Aru, por sua vez, analisou que poderia ter perdido uns 20 minutos. É difícil discordar do rapaz de 24 anos.

GC antes da 16ª etapa

Top 10 da 16ª etapa

GC após a 16ª etapa

18ª etapa, 28 de maio (quinta-feira) – 170km (perfil)
Classificação da etapa e geral (SR e GC)
Nada aconteceu na 17ª etapa. Como se ainda precisasse, Contador deu o golpe de misericórdia em um dia que nem terminava em subida. Em mais um ataque solitário, colocou 1min13s sobre os “concorrentes” – só Hesjedal (sempre ele!), do top 10, chegou ao seu lado em Verbania.  Já se especulava quanto de energia Contador iria poupar, de olho no feito que tentará alcançar no Tour, e o campeão de 6 GT (8 incluindo doping oficial) seguia irrepreensível.

O negócio foi pessoal. Antes do Monte Ologno (vídeo da montanha categoria 1), única escalada do dia, Landa teve problemas, aparentemente uma colisão traseira, e pegou uma roda do italiano Paolo Tiralongo. Contador levou a Tinkoff-Saxo pra frente do pelotão e devolveu a aceleração da Astana de dois dias antes, quando ele levou azar e precisou trocar um pneu com o companheiro italiano Ivan Basso. O espanhol desconversou e disse que sua equipe já estava ditando o ritmo antes, pois sabia que precisava estar à frente no pé da montanha. Em GT, é olho por olho. Mesmo que não seja necessário.

Líder, campeão e atacando

A melhor história, mais uma vez, veio com Hesjedal. Sua bicicleta e de mais três, incluindo a de Contador, foram fiscalizadas imediatamente após a chegada por agente da UCI à procura de um motor na bicicleta. O canadense disse que era a coisa mais ridícula que já ouviu. Os procedimentos estão aqui e aqui.

Em resumo, a suspeita foi levantada pelo L’Equipe, impulsionada pela misteriosa troca de roda entre Contador e Basso na 16ª etapa e a arrancada mágica do líder no Mortirolo/Aprica. Não há imagens da TV do momento do “pit stop”. A UCI já havia feito investidas na Paris-Nice e na Milão-São Remo e supõe-se que o tal motor possa ser ativado remotamente pelo carro da equipe. Assim, a frequência de rádio usada na prova também passa por investigação. As mágicas nunca são reveladas, não é mesmo? Se o caso fosse confirmado, o doping seria elevado a um outro patamar...

Considerando que as duas últimas etapas – exceto a chegada a Milão – seriam as mais duras, a esperança dos concorrentes de Contador deveria ter durado um pouco mais. Especialmente porque em 236km da 19ª etapa, com três escaladas, muitos problemas podiam atrapalhar o maglia rosa.

GC após a 18ª etapa

19ª etapa, 29 de maio (sexta-feira) – 236km (perfil)
Classificação da etapa e geral (SR e GC)
Se o Giro estava definido, ao menos a honra ainda estava em jogo. Especialmente para Aru, que foi 3º em 2014 e iniciou a disputa como uma dos grandes favoritos à maglia rosa. E as duas etapas que se despediram das montanhas tiveram graça por causa do italiano de Hesjedal – sempre – e do renascimento de Urán, que se não limpou o nome para garantir a renovação do contrato, saiu com um gosto menos amargo na boca.

Contador entrou na 19ª etapa com 5min15 de vantagem sobre Landa e 6min05 sobre Aru. Acompanhou os Astanas, especialmente o compatriota, o quanto foi necessário e não se importou com a vitória do italiano na etapa, 1min18 (+ 10s de bônus) à sua frente. Hesjedal, em 2º, saiu frustrado de mais uma etapa, mas subiu de 9º para 7º na GC.

Hesjedal, como sempre, e Aru

Landa deu o primeiro ataque, a 9,5km, na última esperança de mudar a história do Giro. Amador, então 4º na GC, foi o primeiro nome importante a sofrer e Aru deu as caras a 8,7km do fim. No revezamento de ataques da Astana, Contador e Kruijswijk acompanharam e Hesjedal, como sempre, fazia sua subida solitária. Com 7,6km, O campeão permitiu que Aru tivesse o seu dia de redenção. Konig, sem nada a perder e com pouco a ganhar, levou um pouco de luz à Sky.

Beirando os 6km, Aru deu o ataque decisivo que nem parecia do mesmo ciclista das semanas anteriores. Uma chegada a Cervinia, categoria 1 com 19,2km a 5%, que mereceria mais, se Contador não tivesse sido tão superior para construir a larga vantagem (vídeo dos últimos 10km).

Redenção

GC após a 19ª etapa

20ª etapa, 30 de maio (sábado) – 196km (perfil)
Classificação da etapa e geral (SR e GC)
Uma repetição do dia anterior, com Aru, Hesjedal e Urán nas 3 primeiras colocações. Com mais emoção, porque Contador sofreu de maneira inédita e chegou a ver Landa abrir quase 1min30 (a diferença entre o líder e o 3º antes da etapa era de 5min15). E mais divertido, porque teve a última polêmica.

Landa e o prêmio de consolação no Colle delle Finestre

No Cimma Coppi, penúltima montanha do dia em uma charmosa estrada sem asfalto, Landa atacou e ficou com o prêmio de consolação no Colle delle Finestre, a 2.178m de altitude. Antes da escalada até Sestriere, porém, o espanhol teve que esperar Aru. A Astana ainda acreditava que o italiano pudesse tirar o título de Contador e preparou um ataque para a montanha derradeira. Landa deveria ser o coadjuvante. E expôs tudo depois da etapa (vídeo da última montanha).

Redenção - Parte 2

No final, com um misto de sofrimento e vantagem administrada, Contador chegou 2min25 atrás de Aru, que comemorou mais uma etapa para consolidar a redenção. A vantagem na GC ficou em 2min02, com Landa a 3min14. Hesjedal ganhou mais duas posições na GC e terminou em um honroso 5º lugar, sua melhor posição em um GT desde a inesperada conquista no Giro de 2012.

Discrição depois do susto

GC após a 20ª etapa

Depois da curva
Contador mira o tri do Tour, a dobradinha indescritível e o 8º troféu de GT. Não é preciso dizer que sai em alta. O tempo de preparação para o Tour é outra história.

Aru terminou como se esperava depois de um início sofrido. Como ainda tem a crescer, usará o sofrimento como aprendizado.

Landa sai em busca de um novo contrato e com moral para ser o nome de uma equipe em um GT. Um dos que mais lucrou com o Giro. Continuar em uma equipe que tem Nibali e Aru para GTs é complicado para dar o passo seguinte.

Fabio Aru, Alberto Contador e Mikel Landa

Porte sofreu de tudo um pouco e desistiu antes da hora. Foi reprovado no grande teste como líder – apesar das vitórias no primeiro semestre. Vai trabalhar para Froome no Tour.

Amador deu as caras dentro de uma Movistar desinteressada, que guardou Quintana e Alejandro Valverde para o Tour.

Hesjedal ressurgiu e protagonizou boas histórias. Vai ser difícil passar disso em GTs. Mas tem mais diversão no Tour.

Konig fez o que pôde a partir do momento em que Porte não mostrou condições de lutar pelo título.

Kruijswijk apareceu para o mundo. Torna mais um bom nome, senão para ganhar títulos importantes, ao menos para brigar e levar o nome da Lotto NL – Jumbo, ex-Belkin-Blanco-Rabokank-etc.

Urán é o nome que sai mais enfraquecido. Ter dado as caras no final, diferentemente de Aru, não compensou o desastre do início do Giro. Estará no Tour, em uma Etixx – Quick Step que atira para todos os lados, com o polonês Michal Kwiatkowski como número 1 e o britânico Mark Cavendish como “2”. Urán terá a numeração “8” nas formalidades para a prova.

Ah, a Tinkoff-Saxo. Um dos raros momentos em que carregaram Contador