8 de março de 2016

Sharapova, doping e versões

Maria Sharapova é a mulher que mais fatura no esporte, seja exclusivamente com patrocínios ou na soma de patrocínios com os rendimentos como atleta. O levantamento numérico feito anualmente pela revista Forbes é um bom ponto de partida para imaginar o que geraria o anúncio feito pela russa nesta segunda-feira. Um doping no final de janeiro, para uma substância (meldonium) proibida pela Wada desde janeiro, da qual Sharapova faz uso desde 2006 e havia sido avisada de sua proibição pela agência em dezembro, de acordo com a tenista.

Como esperado, os teclados enlouqueceram subitamente. O imediatismo não poupa ninguém e, por vezes, o principal fica fora do resumo, como diz o poeta. Coletivas em Indian Wells serão um prato cheio. Sharapoxinhas e Sharapotralhas poderão chegar às vias de fato no domingo.

Fui dormir pensando como um atleta poderia tirar proveito de uma substância que estava disponível, legalmente, para todos os seus adversários. (Foi isso que aconteceu até 2015; Foi isso que li vindo de um especialista). Acordei com uma carreira jogada no lixo. Ou em dúvida. No título, entretanto, é recomendável que se jogue (no lixo, pra torcida, para cliques, etc).

Podemos (?) escolher em que versão acreditar, que fonte escolher ou não escolher nenhuma. A original foi transmitida ao vivo e está no Youtube, não parece algo secreto. “Sharapova é pega em exame antidoping: ‘Foi um grande erro’” não contém nenhuma informação errada. Mas... ah, deu pra entender.

O tapete era feio mesmo?
Hipóteses
1. “A versão de Sharapova é verídica”. Deixar de checar a lista da Wada é um erro imperdoável, ridículo, amador, etc. Não faz parte, porém, das obrigações de um atleta de ponta. Assumir a culpa no lugar de sua equipe (“family doctor”) foi, senão sincero, muito bem calculado por aqueles que cuidam da sua imagem. O apelo pode gerar punição de menos de um ano, como o tênis já teve recentemente.

2. “Sharapova soube, em algum ano entre 2005 e 2015, que meldonium melhorava o rendimento, continuou tomando e ninguém checou a lista”. Se o cidadão honesto está preocupado também em parecer honesto, o desonesto está ainda mais. Por isso, invariavelmente ficaria atento à lista divulgada anualmente pela Wada, para saber qual seria o limite de, ilegalmente, estar na legalidade. Presidentes de Casas em Brasília talvez saibam a respeito...

3. “Sharapova soube, em algum ano entre 2005 e 2015, que meldonium melhorava o rendimento e continuou tomando mesmo após checar a lista”. Nesse caso, a aposta seria a de que passaria ilesa por ter nome no esporte.

4. “Sharapova viu a lista e parou de tomar a substância em dezembro”. Na resposta da última pergunta na coletiva, a russa diz que continuou tomando, porque fazia bem para sua saúde. A quem duvidar da resposta, essa possibilidade depende do tempo que a substância demora para sair do organismo. Ainda que fosse o caso, ela estivesse seguindo as regras durante o Australian Open e só tenha optado por criar outra versão nesta segunda-feira, um aviso prévio à WTA/ITF/Wada explicando sua situação resolveria. A menos que achasse que nada aconteceria.

5. “Sharapova e sua equipe são profissionais do doping”. Seriam profissionais incompetentes, é claro. Primeiro, porque, voltando à hipótese 2, deveriam estar atentos a qualquer atualização da Wada. Segundo, foram pegos muito facilmente. Além disso, o doping gerou os efeitos desejados? Sharapova tem muitas conquistas no circuito, mas, na mesma época, fica longe dos 157 títulos de Grand Slam de Serena Williams, sofre 47 a 1 no H2H com a rival e suas passagens pela liderança do ranking foram mais rápidas que jogos de primeira rodada em GS.

Mais algumas?

Depois da curva
Se o anúncio de Sharapova foi inesperado, não menos surpreendente foi a notícia de que a Nike suspendeu o patrocínio até o final do julgamento do caso. A mesma empresa que fora uma das últimas a abandonar o barco no naufrágio de Lance Armstrong, em 2012, quando delações premiadas de ex-companheiros surgiam sucessivamente, como num contrarrelógio, e a Usada já indicava que não haveria sobreviventes.

A impressão era a de que, enquanto não houvesse uma confissão na Oprah, as investigações não procediam. Houve uma confissão de Sharapova, martelo batido. Ou neste caso a empresa, de fato, se sentiu traída e naquele era cúmplice e fez de tudo para que coubesse também no bote salva-vidas... Quem sabe? Quem soube?

Depois de outra curva
Interessante notar que Sharapova levou um papel para a coletiva e raramente o consultou. Pareceu um apoio para a transição de um assunto a outro e para que não deixasse algo passar. Quando começava uma explicação, não olhava para baixo para checar datas e nomes. Como na apresentação de seminários na universidade, ensaiou muito bem ou realmente tinha ciência do que estava falando.