20 de fevereiro de 2015

Bellucci, Feijão e o momento

Eu podia estar julgando campeão patrocinado por ditador sem saber se os outros 11 concorrentes não têm fontes tão ou mais sujas – e públicas – para realizar a “maior festa do planeta”. Eu podia estar condenando o doping (hã?) e um negócio sendo assumidamente um “blogueiro especializado” em outro negócio (que tem bola, grama e apito). Eu podia estar falando do apito – ou da polícia, ou de mortes – de um negócio em que do que menos se fala é do próprio negócio. Eu podia estar apostando em alguns filmes sem vê-los porque depois da premiação não vão conferir se foram apostas certeiras ou furadas. Mas já tem muita gente falando tudo isso – e às vezes falando tudo isso ao mesmo tempo.

Fiquemos mesmo com o tênis, aquele esporte monótono e demorado. Dobradinha Brasil-Rio Open é uma oportunidade preciosa para quem geralmente não entraria em torneios assim – e, para todos, duas chances de jogar no Brasil, em um circuito em que há mais viagens do que toss recolhido pela Sharapova. Em 2014, Thomaz Bellucci e Teliana Pereira aproveitaram muito bem as semanas de Rio-São Paulo. Este ano, na ordem invertida no calendário, fizeram bom proveito João Souza e Bia Haddad – e Gabriela Cé.


Antes do “caso” Bellucci-Feijão-número 1-Copa Davis-João Zwetsch, alguns desavisados devem pensar: ou quem viaja até o Brasil está desinteressado(a) ou o(a)s brasileiro(a)s deveriam ter rankings muito melhores. Na verdade, poderiam. Deveriam, se fosse uma ciência exata. Exemplo: Teliana em 2014 era 98ª da WTA e somou no Rio + Florianópolis, mesmo com a mudança de piso, 4 vitórias. 3 dessas sobre adversárias de melhor ranking, na época (60, 66, 81). Teliana não chegou a ser 60 do mundo (ainda). No meio do caminho acontece, a cada semana, troca de piso, de altitude, lesão, mudança de calendário, um jogo que escapa, um dia ruim, uma chave mais dura, etc, etc.

E não é sempre que o fator torcida vai colaborar. Por isso, há de se aproveitar as raras oportunidades em casa (Florianópolis este ano mudou para o final de julho), e não esperar que Bia, 234ª, deve estar no top 100 em um piscar de olhos porque ontem ganhou da 77ª da WTA. A canhota pode estar. Devagar e sempre. (Independente do que aconteça diante da italiana Sara Errani, 16ª e cabeça de chave 1 do torneio, em instantes).

De volta ao masculino, a bola da vez é nego drama. Feijão repetiu as campanhas de Bellucci em 2014: semi em São Paulo e quartas no Rio (boas chances de ir à semi logo mais, contra o austríaco Andreas Haider-Maurer). E começam as comparações incomparáveis.


Antes dos torneios no Brasil, Bellucci tinha em 2014 um ranking pior do que Feijão em 2015, muito por conta de um 2º semestre de 2013 desastroso. A empolgação com as duas semanas foi muito grande, por motivos diferentes. Para Bellucci, era retornar ao top 100 e, quem sabe, a posições mais altas que ele já ocupara anteriormente, pra ser cabeça de chave nos torneios maiores, etc. Para Feijão, agora, é o melhor momento da vida. E aí já aparece o 1º ponto a se considerar: a expectativa que público, imprensa, patrocinadores, etc tiveram sobre cada um nos últimos anos.

Algo muito produtivo em torneios é poder trocar ideias, teses e opiniões novas (ou antigas, com visões novas). Em uma dessas discussões, ouvi que a torcida fica muito mais do lado de Feijão no Brasil. Não entro no campo de carisma, vibração, identificação. Acredito que um ponto importante, muitas vezes deixado de lado, é a expectativa por resultados de cada tenista. Bellucci entrou no top 100 em meados de 2008 e desde então é o “alvo” do tênis brasileiro. Vez ou outra havia Marcos Daniel, Ricardo Mello, Thiago Alves, Feijão e Rogério Dutra Silva no mesmo torneio ou em outra chave de ATP pelo mundo. Feijão, cinco meses mais novo que Bellucci, teve entradas e saídas do top 100 em 2011 e 2012 e nas últimas nove edições do Brasil Open, apenas 2 vezes jogou sem precisar de wild card ou qualifying. A torcida, que geralmente o via diante de um adversário de mais “nome” e/ou ranking seguia a linha de “o que vier é lucro”. E, de certa forma, era mesmo. Fevereiro de 2015 parece ter mudado isso. A conferir.


Há exatamente um ano, Feijão era o nº 1 do Brasil. Na ocasião, era mais por conta da queda de Bellucci, já que nenhum estava no top 100, o que difere da situação atual. A evolução do paulista de Mogi das Cruzes passa pelo mental, físico, confiança, etc desde os Challengers em 2014. A questão do número 1 me parece supervalorizada, talvez para dramatizar sobre a fase de Bellucci ou para colocar a Copa Davis em pauta dia sim e dia também. O fato – que deve se concretizar em caso de vitória de Feijão hoje ou se Bellucci não chegar à semifinal de Buenos Aires, na próxima semana – é bom para os dois, e aí entra outra daquelas conversas em torneio.

Bellucci está praticamente há oito anos sozinho – no bônus e no ônus – recebendo atenção. Ao menos em simples. Tomemos como exemplo a vizinha Argentina e, aleatoriamente, um ranking de 10 anos atrás. Havia 10 argentinos entre os 80 do mundo. A atenção, e também a expectativa, é dividida entre vários nomes durante os grandes torneios. Fosse esse o caso de Bellucci e uma derrota em estreia de Grand Slam, por exemplo, não seria manchete, mas sim o pé de uma nota contando a vitória de um compatriota, quem sabe.


Nesse aspecto, seria ótimo que, não apenas no Brasil, as chaves de ATP pudessem ter 4, 5, 6 brasileiros. Só Feijão e Bellucci no top 100 ainda é pouco, o Brasil merece mais, diria o poeta. Merece?

Depois da curva
Do outro lado do mundo, em países de faz de conta – e fazem muito bem, diria outro poeta – semifinais interessantes no WTA Premier de Dubai: Garbiñe Muguruza X [17] Karolina Pliskova e [1] Simona Halep X [5] Caroline Wozniacki. Mesmo sem as principais cabeças de chave de um lado, uma tradição da WTA, vale o início de ano da tcheca e a busca por um título de peso, também para a venezuelana-espanhola. Em comum, o fato de que todas nasceram na década de 1990, particularidade que passa longe da ATP (hoje, 28 das top 100 têm menos de 21 anos; entre os homens, são 4). Mas isso já é assunto pra outro post. Semifinais, a conferir.

Fotos: Brasil Open.