26 de maio de 2013

À Itália o que é da Itália


A foto acima só precisaria de legenda porque a neve chega a encobrir o rosto do campeão do Giro D’Itália 2013. Em três semanas mais tranquilas do que o esperado – ao menos em relação aos seus adversários – o italiano Vincenzo Nibali foi testado apenas pelo clima e ainda contou com desistências de fortes concorrentes. Depois de sábado, declarou que “a neve fez a vitória ser épica”. A imagem não deixa dúvidas.

Se o time trial de montanha na quinta-feira foi daqueles pra botar à prova qualquer EPO, a vitória no mar (ou céu) branco de sábado serviu para mostrar o quanto o ciclista da Astana Pro Team foi melhor ao longo das 3 semanas. Daquelas pra se encher a boca e soltar o saudoso “isso é (insira aqui o esporte em questão)”. Nem os portugueses escapam.

O mais próximo de um susto foi na etapa 2, em que a Sky Procycling confirmou o favoritismo no team time trial e deixou Bradley Wiggins 14s à frente do italiano. As inesperadas quedas / problemas mecânicos do britânico nas etapas 4 e 7 deram a Nibali 1min27s de vantagem sobre o atual campeão do Tour de France. Enquanto Mark Cavendish e John Degenkolb ganhavam etapas, as montanhas esperavam os candidatos ao título.

Se o futebolístico do almoço da emissora oficial do Brasil falasse de esporte
faria o comentário indispensável: Nibali não viu ninguém à sua frente...
Novo problema mecânico na etapa 8 tiraram a esperada vitória de Wiggins no time trial individual e fizeram com que ele tirasse apenas 11s do italiano, que assumiu a maglia rosa, com Caden Evans e Robert Gesink entre ele e Wiggins. Veio o primeiro dia de descanso seguido pela etapa 10, a primeira nas montanhas. Trocando o pneu sem parar de pedalar, a Sky preparou um ataque do colombiano Rigoberto Uran Uran, que venceu a etapa, e quem não aguentou foi Wiggins. O velho “mais vale um na posição mais alta do pódio do que dois nas mais baixas” nem precisou ser lembrado, já que O escolhido da Sky abandonou dois dias depois, com gripe, resfriado, infecção, algo do tipo. Só restava uma opção.

Veio a sequência montanhosa das etapas 14 e 15 (a última precisou reduzir as escaladas devido ao risco de avalanche) e Nibali colocou a primeira mão no troféu, abrindo 1min26s para Evans, 2min46s para Uran Uran e 2min47s para Mauro Santambrogio. Depois do segundo descanso, dois dias nas planícies, onde qualquer um que sonha com o título não iria perder tempo. E então a grande apresentação na etapa 18: o último time trial do Giro, com 20,6km de subida.

... ou então: Nibali só não fez chover no Giro. Oh, wait...
É, ainda bem que eles cobrem outras coisas
Samuel Sanchez, top 10 nos 7 Grand Tours que disputou entre 2005 e 2011, renasceu da 15ª posição para fazer o melhor tempo e aguardar os 14 ciclistas restantes. Por 13 vezes a transmissão mostrou o espanhol acompanhando a transmissão enquanto sua vitória era mantida. Até que o último passou para a primeira posição batendo o tempo de Sanchez por eternos 58s. A liderança de Nibali passou a 4min02s de Evans, com um time trial trágico, e 4min12s de Uran Uran. A segunda mão estava na taça e já não faltava mais ganhar etapa.

Se os campeões sempre têm um pouco de sorte, a do italiano veio na etapa 19. Provavelmente o dia mais duro programado para o Giro, com três grandes escaladas. O esforço no dia anterior poderia cobrar seu preço, ainda que fosse pouco, mas saiu de graça. A etapa foi cancelada devido ao péssimo tempo. Um dia a menos para quem ainda poderia sonhar em reverter a vantagem do dono da maglia rosa. As duas mãos já podiam levantar o troféu.

Evans toma tempo na penúltima etapa e cai de 2º para 3º
Apesar da conquista praticamente garantida, faltava A imagem do título. A etapa 20 tratou de providenciar, como visto no início do post. O percurso alterado pelas condições climáticas reservou duas escaladas nos últimos 20km. Como quem quisesse provar apenas para si o quanto estava inteiro, Nibali provou. Na última subida deixou um trio(!) colombiano e todo mundo comendo neve para trás. Sua imagem tirando uma mão do guidão – duas vezes! – para empurrar os torcedores que corriam ao seu lado também é representativa. Algo como “é só vocês não me atrapalharem que isso já tá ganho”. E estava. Fazia mais tempo do que todos imaginavam. 4min43s, a maior diferença para o vice-campeão no últimos 7 anos.


Campeão da Vuelta a España em 2010, Nibali já havia sido 3º do Giro no mesmo ano e 2º em 2011. Agora “só” falta o Tour, onde foi 3º no ano passado. Porém, não confirmou presença e já disse que considera difícil competir na França. Seu objetivo para a temporada era o Giro e já disputou muitas provas (foi campeão da Tirreno-Adriático e do Giro Del Trentino, além do top 10 nos Tours de Omã e San Luis).

Depois da curva
Betancur, campeão entre os jovens
Menção mais do que honrosa à Colômbia. Não apenas por ter 2º, 3º e 4º colocados na sofrida penúltima etapa. Mas por ter o vice-campeão geral, Uran Uran. Por ter o campeão entre os jovens, Carlos Alberto Betancur Gomez (5º geral). Por ter uma equipe de ciclismo capaz de completar um Grand Tour. Ou simplesmente por ter uma equipe de ciclismo capaz de competir em um Grand Tour.

Menção mais do que honrosa 2: Mark Cavendish garantiu a camiseta vermelha a poucos quilômetros da chegada em Brescia, neste domingo. No sprint final, que para ele valia "apenas" a etapa, ganhou mais uma vez. A quinta neste Giro. Um monstro.


Na reta
Após o cancelamento da etapa 19, o italiano Danilo di Luca foi convidado a se retirar da disputa. Campeão do Giro em 2007, ele ocupava a 26ª posição quando se tornou público um teste positivo para EPO fora de competição, em 29 de abril. Conforme a cyclingnews.com, o diretor esportivo da sua equipe, Luca Scinto, declarou: He's mad, he's a cretino, he needs treatment. There's nothing else to say. We gave him a second chance and the sponsors put their faith in him and this is how he pays us back. It's crazy that a rider thinks they can get away with it like that. Seu histórico de doping não cabe nesse post.

Mas cabe um tuíte de um certo Lance Armstrong (ou “who’s Lance?”, como uma “escrita” na neve pôde ser vista na Itália), na manhã de sexta, quando a desclassificação do italiano foi anunciada.


Só discordo em um ponto: acho que ninguém tem mais crédito para falar sobre doping do que o estadunidense.

Na chegada
Em 96 edições do Giro, esta foi a 68ª vencida por um italiano. Um domínio que está longe de ser visto por franceses no Tour (36 de 92 – edições que tiveram um campeão...) ou espanhóis na Vuelta (31 de 67). Daí o título do post. Em 2012 o canadense Ryder Hesjedal havia sido o intruso.