22 de julho de 2013

Sir Tour de France


Foi um final digno da centésima edição da maior prova de ciclismo de estrada do mundo. Como final entende-se a última etapa com grandes montanhas, no sábado, em que o campeão geral e entre os jovens seria confirmado e o título de montanhista e o de equipe seriam definidos.

Quintana, Froome e Sagan na chegada a Paris
Ainda que fossem disputas secundárias em relação à megalomania que envolve le maillot jaune, os “míseros” 125km até Annecy-Semnoz foram uma redenção à etapa do dia anterior. Começar os 204,5km de sexta-feira com 2 hors concours, depois ter montanhas menos imponentes e chegar em uma descida obviamente teria pouca – ou nenhuma – interferência na classificação geral. Mesmo que uma escalada fosse o Col de La Madeleine. E não teve.

O melhor da última semana ficou com as etapas 18 e 20, quinta e sábado. Curiosamente, as únicas em todo o Tour de France 2013 que o campeão Sir Chris Froome não chegou à frente dos rivais que completaram o pódio, Señor Nairo Quintana Rojas e Señor Joaquin “Purito” Rodriguez Oliver. Os 172,5km com a dupla escalada ao Alpe-d’Huez foram de uma insanidade na beira de estrada que no dia seguinte a organização lançou comunicado solicitando que os torcedores não corressem ao lado dos atletas nas subidas. Em vão.

A primeira de duas passagens pelo Alpe-d'Huez
Em um esporte que o público vê os competidores passando e depois de alguns segundos não resta mais nada, repetir uma montanha era o maior convite para sair de casa e ir pra estrada. Pelo menos veriam cada ciclista duas vezes. Em quais outras modalidades o torcedor tem a chance de ficar a centímetros de distância de um profissional, por vezes um ídolo, enquanto ele compete?

Os momentos de menos força de Froome foram diferentes. Na quinta-feira, mesmo colocando mais de 1 minuto no então vice-líder, Señor Alberto Contador, ficou uma dúvida. Se não preocupava, já que a vantagem no geral era de mais de 5 minutos, ainda assim era uma dúvida (dois dias depois ele classificou esse como seu pior momento no Tour). Um pouco mais alarmante pela ajuda que precisou receber de Sir Richie Porte, que foi ao carro da Sky no meio da subida para lhe trazer um açúcar qualquer – o que rendeu uma punição de 20s na classificação geral ao final da etapa. O anticlímax do dia seguinte veio para acalmar os ânimos e deixar o britânico a 125km do título. No sábado as pernas sentiram só no último quilômetro, quando já estava consagrado e deixou escapar a chance de ganhar mais uma etapa e ser campeão entre os montanhistas.

A vantagem sobre o vice-campeão foi de 5min03s e fora do top 5 todos tomaram mais de 10 minutos. Algumas linhas para a construção das diferenças, ignorando a gracinha da Sky na Champs-Elysées que tirou 43s do Froome.


- No top 5, Contador foi quem menos perdeu tempo para Froome nos 3 time trials. No confronto direto, porém, o espanhol levou vantagem sobre o britânico em um único dia, em que o desespero da Saxo-Tinkoff rendeu 1min09s em uma etapa plana.

- Pelas etapas 15, 18 e 20 fica claro que Contador, diferente do esperado por muitos, não foi o maior rival de Froome nas montanhas. E ainda teve a impressionante 8ª etapa, a 1ª com grandes escaladas, quando o líder da Sky assumiu a camiseta amarela e não perdeu mais. Curiosamente, os dois invertem as posições que ocuparam ao final da Vuelta a España, em 2012, quando Froome liderou a Sky pela primeira vez em um Grand Tour e viu a coroação de Contador de fora do pódio em 4º.

- As maiores vantagens de Froome vieram em TTs, principalmente o da 11ª etapa, em planície. Mas o campeão também foi o melhor nas montanhas (8ª, 15ª, 18ª e 20ª). Nos tempos somente desses dias o britânico colocou 39s em Quintana, 2min15s em Rodriguez e mais de 6 minutos nos Saxos. Incontestável.

- Quintana foi o pior nos TTs, seja na planície ou na montanha. Não é preciso desenhar isso para a Movistar.

- Em um Tour que privilegiou as montanhas, é interessante notar que o título foi “decidido” em menos de 2 semanas, quando os Alpes ainda estavam bem distantes (etapas 8 e TT da 11ª). Da 13ª etapa para frente, Froome pôde administrar e colocou apenas 5s em Quintana e 19s em Rodriguez. O início fraco do espanhol custou caro.

- Tirando o TT montanhoso, os Alpes foram mesmo do camiseta branca com bolinhas. Os 29s do Mont Ventoux na Queda da Bastilha anulam os 29s da 20ª etapa. Resta a jornada dupla no Alpe-d’Huez, quando Quintana ganhou 1min06s sobre o campeão geral...

Depois da curva
- Ganhar uma etapa, consolidar o título entre os jovens, sagrar-se campeão entre os montanhistas e garantir o vice no geral em um único dia. E se esse dia fosse a comemoração da independência do seu país? O colombiano Nairo Quintana Rojas, de 23 anos, viveu tudo isso no último sábado, dia 20. Algo que a mídia local sabe reconhecer a importância. Os três jornais são de Medellín, no domingo. Fotos de Quintana também estamparam a capa do El Heraldo, de Barranquilla, e do El Universal, de Cartagena, além de chamada na capa do El Espectador, de Bogotá, entre outros.


Ao lado de Froome, é claro, Quintana é quem sai da França com mais moral, dentro de uma equipe que viu seu líder, Alejandro Valverde, dar adeus às chances de título em uma única etapa, tomando mais de 9 minutos depois de um mero pneu furado.

- Outro destaque positivo fica por conta da Belkin Pro Cycling, que surpreendeu com os holandeses Heer Bauke Mollema e Heer Laurens Ten Dam nas primeiras semanas. A ex-Rabobank chegou a sonhar com um (ou mais?) pódio, mas perdeu força nos Alpes, terminando em 6º e 13º.

Quintana assume liderança na última etapa de montanhas

Sagan à caráter para chegar em Paris
- Michal Kwiatkowski, 3º entre os jovens e 11º no geral, sofreu para tentar ajudar Sir Mark Cavendish, chefão da Omega Pharma-Quick Step. O melhor exemplo disso veio na etapa 19, que dava pontos para sprinters na intermediária depois de 2 HCs. O polonês, então 9º no geral, esteve envolvido na fuga com Cavendish e mais um companheiro de equipe, única e exclusivamente pensando nesses 20 pontos. Os 3 foram alcançados logo no início da subida do Col de La Madeleine. O título entre os sprinters já havia sido garantido pelo eslovaco Pán Peter Sagan nas etapas com montanhas “leves”.

- Entre os que saem por baixo, o maior destaque é Sir Cadel Evans, campeão há 2 anos. O australiano da BMC Racing Team assumidamente passeou pela Europa nos últimos 4 dias, quando deixou o top 20 no geral. Parecia esperar o início de uma montanha para ser o 1º a ficar pra trás e pagou o preço pelo 3º lugar no Giro d’Italia, no final de maio.

Sir Ryder Hesjedal, líder da Garmin-Sharp e campeão do Giro em 2012, só não foi uma decepção maior porque as expectativas não eram muito grandes. O abandono na tentativa de defesa do título na Itália já era um sinal.

Quem também não tem muito o que comemorar é a Radioshack Leopard. Ganhou uma etapa, liderou por 2 dias com Jan Bakelants e viu seu líder, Andy Schleck, ficar atrás do próprio Bakelants e do belga Maxime Monfort. A busca pelo 3º título entre as equipes nos últimos 4 anos também foi frustrada, superada pela Saxo-Tinkoff e pela AG2R La Mondiale.

Ainda dá pra incluir a Europcar, que conquistou títulos secundários nas 3 últimas edições. Nesta, apesar do vale tudo praticado por Pierre Rolland em busca de pontos nas montanhas sábado, ficou pra próxima. A punição, justa, contra um francês, de uma equipe francesa cujo patrocinador também é um parceiro do Tour seria esperar demais. Quase um dia, mais precisamente, porque ela veio. Quando 1 ou 2 pontos não fariam mais diferença, a organização tirou os 2 pontos de Rolland por essa montanha. A meta da equipe era ter um top 10, perto do top 5, e ganhar uma etapa. Nada feito.

Na reta
Comemoração discreta e aliviada ao final das montanhas
Por um ano de diferença Froome não virou “Sir”. E se Froome não virou Sir no Reino Unido, azar do Reino Unido! (um dia ainda haverá um post somente com variações dessa frase do poeta que se encaixa em qualquer situação sobre infinitos temas de todas as regiões do mundo). O título também foi ofuscado pelas apostas no nascimento da criança de cera.

Para o orgulho da tradição (ou tradicional orgulho?) desse povo que dá títulos de forma sem função não teria sido o melhor cenário. O vice-campeão de 2012 pode ter se mostrado superior a Bradley Wiggins nas grandes montanhas há um ano, mas o conto de fadas do 1º britânico campeão do Tour em 99 anos perderia a magia se viesse de um queniano que cresceu na África do Sul e tinha “virado” britânico há menos de 5 anos. O resto do mundo, pelo menos, aprecia.

"For me, what this represents – the journey I've taken to get here from where I've started, riding on a little mountain bike on dirt roads in Kenya – and to be here the yellow jersey at the Tour de France... it's difficult for me to put into words. This really has been an amazing journey for me. The race has been a fight every single day. Crosswinds, rain, mountains... on one occasion I was riding on my own to the finish at others I was surrounded by team-mates all the way”.

O primeiro Grand Tour de Chris Froome (GBR), Sky Procycling
Nairo Quintana, Chris Froome e Joaquin Rodriguez
Nairo Quintana (COL), Movistar
Peter Sagan (SVK), Cannondale
Nairo Quintana (COL), Movistar
Team Saxo-Tinkoff (DIN)