7 de março de 2013

Deixa estar, que eu... eu sigo em frente

Comentar mortes é algo impossível de ser feito. Se elogiar, dirão: “só fala bem porque o cara morreu”. Se criticar, rebaterão: “agora que o cara morreu é fácil meter o pau”. Não há como escapar. E se não falar nada, questionarão: “pô, o cara morreu e você não vai escrever nada?”. Críticos de música devem entender (difícil acreditar que escrevi a frase “críticos de música devem entender”). Portanto, fim do post.

O que segue são só lembranças. Lembranças da dita “melhor fase da vida” fora da curva do gosto popular interiorano. De ver a irmã, sete anos mais velha, encarar a TV sem piscar por alguns minutos enquanto anunciavam a morte de Renato Russo. De perceber uma sensação estranha nos pais depois de um domingo em família ao chegar em casa e ver homenagens a Tim Maia na TV. De não entender, alguns anos depois, às vésperas do reveiom, porque ninguém em casa teve reação semelhante quando soube de Cássia Eller.

Hoje eu entendo. Que cada geração tem seus ícones (seja músico, ator, atleta, brasileiro, estrangeiro, etc). Que, acima de uma geração, cada pessoa tem os seus ícones. Ou ao menos alguém que admira, gosta ou, quem sabe, apenas respeita. Que essa pessoa pode sentir mais a morte de um saxofonista de uma banda obscura que outras 20 pessoas conhecem do que o desfecho hollywoodiano da vida de Michael Jackson. E que eu sinto muito por aqueles que nunca vão ter essa sensação.


Vivendo nesse absurdo
Não me considero um fã de Charlie Brown Jr. A primeira condição que criei para ser fã de banda/cantor é comprar CDs originais (sim, eu compro CDs. Poucos, mas compro). Acho o mínimo que se pode fazer em questão de reconhecimento a um ídolo na música. Não tenho nenhum original. Não tenho todos “alternativos”, mas enchem uma mão. Em janeiro nostalgiei com uns três deles. Os “rascunhos” no lado que fica em contato com o leitor, criados há quase uma década, ainda estão lá e continuam funcionando, no mesmo rádio.

Nunca fui a um show. Não comprei camiseta. Não escrevi trechos de música em cadernos. Mas ouvia. Via. Gostava. Depois de um tempo falaram que não podia mais, que tinha acabado – ou que merecia ter acabado.

Não vou apelar para o clichê do “eu quero que se foda essa porra de sociedade”. Cada um fala o que quer e ouve o que quer. Realmente. Já me convenci de que o melhor gosto musical é o de cada um. E talvez isso se estenda a outros gostos (como por filmes, esportes, roupas, etc). Se parei de ouvir foi porque quis.

Chorão não foi gênio. Pelo que relatam, foi genioso. Entre brigas e discussões públicas, dentro ou fora da banda, parecia ter suas convicções e tentava defendê-las. Como compositor, fez a maioria das letras do Charlie Brown. Desde clichês e frases feitas a revoltas, ironias, drogas, Deus, amor, vida. Prato cheio para os “protestos” que toda rebeldia juvenil quer. Pra escrever no caderno. Ou pra pensar. Ou só pra ouvir, porque, no fundo, era o que muito jovem queria que alguém falasse. E bastava.

A vida cobra muito sério, você não vai fugir. Não pode se esconder e não deve se iludir.
Se for fazer uma coisa, então faça com vontade. Seja você, não fure os olhos da verdade.
O que eu não gosto eu me livro e digo não.
Você não pode se fechar para o mundo com medo de se machucar. Senão você se machuca por não viver.
Você devia dar uma importância maior pras coisas corriqueiras da vida. Você devia dar uma importância maior pro que realmente tem valor na sua vida.
Que mundo é esse que ninguém entende um sonho? Que mundo é esse que ninguém sabe mais amar?
A vida corre pelas ruas numa busca sem sentido enquanto o mundo está em guerra por paz.
Eu não sei fazer poesia, mas que se foda. Eu odeio gente chique e eu não uso sapato, mas que se foda.
Eu vou vencer assim mesmo, eu já nem lembro de você.
Não vem me rotular, você também nem é ninguém.
Um dia você vai descobrir que o esquema é só pra te roubar e mesmo você sendo contra eles vão te recrutar. Te raspar a cabeça inteira, vão te uniformizar, te dar uma arma e licença pra matar.
As flores são bonitas em qualquer lugar do mundo, muita gente tem forma, mas não tem conteúdo.
Só o que é bom dura tempo bastante pra se tornar inesquecível.
Eu sei que eu já fiz muita coisa errada, mas o fato de eu ser maluco não quer dizer que eu não dei valor pras coisas e nem pra você.
Livre pra poder sorrir, livre pra poder buscar o meu lugar ao sol.
Eu não preciso de promessas e acho que você também. Eu não tento ser perfeito e acho que você também.
Nossas vidas, nossos sonhos têm o mesmo valor, eu vou com você pra onde você for.

Hoje eu só procuro a minha paz
Mas Chorão marcou uma época. A quantidade de depoimentos espalhados pela internet nesta quarta-feira provou isso. Gente famosa que teve contato com o cantor e que, acredito, não estava apenas a fim de exposição. Gente não-famosa que nem gostava mais da banda, mas lembrou o quanto ouvira há alguns anos. Músicos mais velhos falando sobre os anos 1990 e 2000. Músicos mais novos falando como fãs. Não-músicos falando que gostam e os filhos adoram. Sim, agora todo mundo adora...

Toda morte de pessoa pública chama atenção. Morte antes da hora necessariamente chama mais atenção. E gera comoção. Só no final de um dia estranho percebi: da “minha” geração, de quem gosto ou gostei na adolescência, Chorão foi o primeiro a ir. Vamos viver nossos sonhos, temos tão pouco tempo. Não resisti.


Os neurônios batendo em retirada, vivendo nosso momento irracional como se fosse tudo normal
Logo surgem as teorias de que tudo que Chorão atravessava estava nas suas letras. “Minha vida é tipo um filme de Spike Lee, verdadeiro, complicado, mal-humorado e violento” e por aí vai. Como se a criação artística obrigatoriamente fosse um reflexo da realidade.

Já ouvi de algumas pessoas que Kurt Cobain foi o último roqueiro da história. Depois de ler a excelente biografia do ex-líder do Nirvana, é difícil defender o contrário, pensando no sentido mais amplo (ou completo) da palavra roqueiro. E Chorão foi o último roqueiro brasileiro? Ou o cargo já estava ocupado antes de ele existir? Ou os roqueiros continuam aí?