1 de setembro de 2012

Escalada sem fim


É um roteiro sem fim. Uma biografia que merece atualização a cada semana. O câncer, depois a volta à vida e ao ciclismo. As sete conquistas seguidas da prova mais dura do planeta, o romance com uma celebridade, a arrecadação de fundos para ajudar pacientes da doença a qual sobreviveu. Milhares de acusações, centenas de testes antidoping, dezenas de declarações para tirar o final feliz do conto de fadas. Dos adversários, dos ex-companheiros de equipe e talvez até da ex-noiva-celebridade.

A história tem muitas reviravoltas para tentar ser entendida, quanto mais explicada. E os capítulos das 2 últimas semanas indicam que a novela pode acabar amanhã ou nunca ter fim. Talvez não seja a montanha mais difícil, mas com certeza é a mais longa da (ex-?) carreira de Lance Armstrong.

A retirada de todos os títulos como profissional desde agosto de 1998 e o banimento do esporte profissional pelo resto da vida, anunciado pela Usada, traz duas hipóteses opostas de imediato. Ou Armstrong sempre competiu dopado e havia um acordo com a Usada para encobri-lo (semelhante com o que a ATP fez com Andre Agassi uma vez – pelo menos a única divulgada pelo próprio ex-tenista). Por algum motivo, esse acordo chegou ao fim e o estrago foi feito. Ou Armstrong sempre correu limpo e é realmente vítima da “caça às bruxas” que alega – agora não só da Usada, como de muitos ex-companheiros. Os testes, à época, foram todos negativos, enquanto dezenas de adversários eram advertidos ou punidos pelo uso de EPO, esteroides, transfusões de sangue, etc. O ciclismo está cheio de exemplos.

Uma questão posterior é: Por que o poder da Usada é superior ao da União Internacional de Ciclismo (UCI)? A entidade máxima do ciclismo mundial não deu um veredicto sobre a punição e cobra da Usada que mostre as evidências dos exames em que Armstrong falhou. Aguardemos.

Coincidentemente, havia terminado de ler Lance Armstrong: Muito mais do que um ciclista campeão; minha jornada de volta à vida um dia antes da desistência do americano em continuar se defendendo. E relacionei sua atitude com a cabeçada de Zidane ao final da carreira. Se querem acreditar ou não, certo ou errado, culpado ou inocente, foda-se.

Floyd Landis, Tyler Hamilton e Lance Armstrong
Coincidentemente (ou não), um ex-companheiro de Armstrong lançaria uma autobiografia-bomba no dia do aniversário do heptacampeão (?), 18 de setembro, e adiantou para o próximo dia 5. Tyler Hamilton ajudou Armstrong a conquistar os 3 primeiros títulos no Tour com a US Postal Service e depois virou seu adversário pelas equipes CSC e Phonak. Admitiu seu próprio doping  - assim como acusou Armstrong e inúmeros ex-companheiros – em uma entrevista no final de 2011 e no início de agosto teve a medalha de ouro dos Jogos e Atenas-2004 retirada pelo COI. No livro A luta de Lance Armstrong, do jornalista Daniel Coyle (coincidência ou não, o mesmo que assina a biografia de Hamilton), os dois são apresentados como amigos, apesar de rivais, e apenas um teto separava suas apartamentos em Girona durante os longos treinamentos na Europa.

No livro-bomba (“The Secret Race: Inside the Hidden World of the Tour de France, Doping, Cover-ups and Winning at All Costs”), Hamilton revela transfusões de sangue que fez junto de Armstrong no Tour de 1999 e diz que “Lance trabalhava o sitema… Lance era o sistema”, segundo cópia que a Associated Press conseguiu antecipadamente. Ele ainda dá detalhes do esquema de EPO, que os líderes e os médicos da equipe (US Postal Service) encorajavam a prática. Marketing ou não, é uma boa estratégia de divulgação.

Como se não bastasse, o Daily Mail ressuscita que até sua ex-noiva, a cantora Sheryl Crow, foi interrogada em 2011 a respeito das acusações. Os dois conviveram entre 2003 e 2006, quando o ciclista foi menos esportista e mais celebridade. Nunca se soube o teor de suas declarações.

Continuando, Outside traz um texto de um ex-assistente de Armstrong, dizendo acreditar que o ciclista trapaceou, não é e nunca foi uma vítima – além de explorar a tão falada e (re) conhecida arrogância do ex-campeão.

Enquanto os próximos capítulos não chegam, Armstrong ironiza a decisão da Usada. Seu agente, Bill Stapleton, evita comentar o(s) caso(s). O veterano belga Eddy Merckx, um dos maiores ciclistas de todos os tempos e 5 vezes campeão do Tour,lamenta a polêmica e diz que acredita em Armstrong – em sua biografia de 2000, o norte-americano o descreve como um grande amigo. Os norte-americanos George Hincapie e Levi Leipheimer, dois dos maiores escudeiros de Armstrong ao longo de sua carreira, teriam garantido, no início de julho, que testemunhariam à Usada contra o compatriota. Alberto Contador, em meio à Vuelta a Espanha em seu retorno de suspensão por doping, trata de ser político e ficar de meias-palavras. Oscar Pereiro, que herdou o Tour de 2006 após a desclassificação de Floyd Landis (ex-companheiro de Armstrong) por doping, diz que o caso é patético e lança dúvidas sobre o sistema de antidoping.

Depois da curva
A maioria dos grandes adversários de Armstrong ao longo da carreira foi pega em exames antidoping e muitos – vice ou bronze no Tour, ouro em Jogos Olímpicos – tiveram as devidas punições. Se todos estavam trapaceando, entre todos os dopados, Armstrong ainda foi o melhor. É como diz o poeta: seria cômico se não fosse trágico.

Na reta
Quando interrompeu a aposentadoria para retornar ao ciclismo em 2009, a principal justificativa de Armstrong fora que o esporte havia perdido espaço na mídia sido manchado por casos de doping, como o de Landis, em 2006. Se até hoje o principal assunto ciclístico ainda é o norte-americano, ele ajuda em evidência nas notícias com a polêmica. Mas, ao desistir de se defender, coloca um fim nas pautas do esporte que o consagrou (caso essa montanha de história tenha algum fim).