É um roteiro sem fim. Uma biografia que merece atualização a
cada semana. O câncer, depois a volta à vida e ao ciclismo. As sete conquistas
seguidas da prova mais dura do planeta, o romance com uma celebridade, a arrecadação
de fundos para ajudar pacientes da doença a qual sobreviveu. Milhares de
acusações, centenas de testes antidoping, dezenas de declarações para tirar o
final feliz do conto de fadas. Dos adversários, dos ex-companheiros de equipe e
talvez até da ex-noiva-celebridade.
A história tem muitas reviravoltas para tentar ser entendida,
quanto mais explicada. E os capítulos das 2 últimas semanas indicam que a
novela pode acabar amanhã ou nunca ter fim. Talvez não seja a montanha mais
difícil, mas com certeza é a mais longa da (ex-?) carreira de Lance Armstrong.
A retirada de todos os títulos como profissional desde
agosto de 1998 e o banimento do esporte profissional pelo resto da vida,
anunciado pela Usada, traz duas hipóteses opostas de imediato. Ou Armstrong sempre competiu dopado e havia
um acordo com a Usada para encobri-lo (semelhante com o que a ATP fez com
Andre Agassi uma vez – pelo menos a única divulgada pelo próprio ex-tenista).
Por algum motivo, esse acordo chegou ao fim e o estrago foi feito. Ou Armstrong sempre correu limpo e é
realmente vítima da “caça às bruxas” que alega – agora não só da Usada,
como de muitos ex-companheiros. Os testes, à época, foram todos negativos,
enquanto dezenas de adversários eram advertidos ou punidos pelo uso de EPO, esteroides,
transfusões de sangue, etc. O ciclismo está cheio de exemplos.
Uma questão posterior é: Por que o poder da Usada é superior
ao da União Internacional de Ciclismo (UCI)? A entidade máxima do ciclismo
mundial não deu um veredicto sobre a punição e cobra da Usada que mostre as
evidências dos exames em que Armstrong falhou. Aguardemos.
Coincidentemente, havia terminado de ler Lance Armstrong: Muito mais do que um
ciclista campeão; minha jornada de volta à vida um dia antes da desistência
do americano em continuar se defendendo. E relacionei sua atitude com a
cabeçada de Zidane ao final da carreira. Se querem acreditar ou não, certo ou
errado, culpado ou inocente, foda-se.
Floyd Landis, Tyler Hamilton e Lance Armstrong |
Coincidentemente (ou não), um ex-companheiro de Armstrong
lançaria uma autobiografia-bomba no dia do aniversário do heptacampeão (?), 18
de setembro, e adiantou para o próximo dia 5. Tyler Hamilton ajudou Armstrong a
conquistar os 3 primeiros títulos no Tour com a US Postal Service e depois
virou seu adversário pelas equipes CSC e Phonak. Admitiu seu próprio doping - assim como acusou Armstrong e inúmeros
ex-companheiros – em uma entrevista no final de 2011 e no início de agosto teve
a medalha de ouro dos Jogos e Atenas-2004 retirada pelo COI. No livro A luta de Lance Armstrong, do jornalista
Daniel Coyle (coincidência ou não, o mesmo que assina a biografia de Hamilton),
os dois são apresentados como amigos, apesar de rivais, e apenas um teto
separava suas apartamentos em Girona durante os longos treinamentos na Europa.
No livro-bomba (“The Secret Race:
Inside the Hidden World of the Tour de France, Doping, Cover-ups
and Winning at All Costs”), Hamilton revela transfusões de sangue
que fez junto de Armstrong no Tour de 1999 e diz que “Lance trabalhava o sitema…
Lance era o sistema”, segundo cópia que a Associated Press conseguiu antecipadamente. Ele ainda dá detalhes do esquema de EPO, que os líderes e os
médicos da equipe (US Postal Service) encorajavam a prática. Marketing ou não,
é uma boa estratégia de divulgação.
Como se não bastasse, o Daily Mail ressuscita que até sua ex-noiva, a cantora Sheryl Crow, foi interrogada em 2011 a respeito das acusações. Os dois conviveram entre 2003 e 2006, quando o ciclista foi menos
esportista e mais celebridade. Nunca se soube o teor de suas declarações.
Continuando, Outside traz um texto de um ex-assistente de Armstrong, dizendo acreditar que o ciclista trapaceou, não é e nunca foi uma
vítima – além de explorar a tão falada e (re) conhecida arrogância do
ex-campeão.
Enquanto os próximos capítulos não chegam, Armstrong ironiza a
decisão da Usada. Seu agente, Bill Stapleton, evita comentar o(s) caso(s). O
veterano belga Eddy Merckx, um dos maiores ciclistas de todos os tempos e 5
vezes campeão do Tour,lamenta a polêmica e diz que acredita em Armstrong – em sua
biografia de 2000, o norte-americano o descreve como um grande amigo. Os
norte-americanos George Hincapie e Levi Leipheimer, dois dos maiores escudeiros
de Armstrong ao longo de sua carreira, teriam garantido, no início de julho,
que testemunhariam à Usada contra o compatriota. Alberto Contador, em meio à
Vuelta a Espanha em seu retorno de suspensão por doping, trata de ser político e
ficar de meias-palavras. Oscar Pereiro, que herdou o Tour de 2006 após a
desclassificação de Floyd Landis (ex-companheiro de Armstrong) por doping, diz
que o caso é patético e lança dúvidas sobre o sistema de antidoping.
Depois da curva
A maioria dos grandes adversários de Armstrong ao longo da
carreira foi pega em exames antidoping e muitos – vice ou bronze no Tour, ouro
em Jogos Olímpicos – tiveram as devidas punições. Se todos estavam trapaceando,
entre todos os dopados, Armstrong ainda foi o melhor. É como diz o poeta: seria
cômico se não fosse trágico.
Na reta
Quando interrompeu a aposentadoria para retornar ao ciclismo
em 2009, a principal justificativa de Armstrong fora que o esporte havia
perdido espaço na mídia sido manchado por casos de doping, como o de Landis, em
2006. Se até hoje o principal assunto ciclístico ainda é o norte-americano, ele
ajuda em evidência nas notícias com a polêmica. Mas, ao desistir de se
defender, coloca um fim nas pautas do esporte que o consagrou (caso essa
montanha de história tenha algum fim).