O primeiro dia oficial de Olimpíadas já foi suficiente para as
histórias de medalhistas (e por que não não-medalhistas?) conseguirem encher um
jornal nacional inteiro. Mas isso não vai para os records. Ou então daria para
encher de posts que não seriam lidos. Prefiro ficar com apenas um.
Conquistas olímpicas podem ficar marcadas por muita coisa. A
última competição profissional de um atleta. O nascimento de um mito em
potencial. A surpresa aos olhos do mundo. O único título que faltava. Um
recorde inimaginável. O triunfo inédito em uma modalidade para determinado
país. A euforia do país-sede. A frustração do país-sede. Em época de Phelps,
Federer, Bolt, Isinbayeva e alguns poucos outros, as vitórias de outros muitos
podem ser banalizadas ou subvalorizadas. Escolho a curva por fora.
Alexander
Vinokourov reúne alguns desses aspectos que marcam as conquistas. Não é
ídolo mundial. Não é o bom moço. Não tem contratos milionários. É um cara que
precisa de apresentação. “Surgiu” para o ciclismo em 2000, com uma medalha de
prata nos Jogos de Atlanta. Ao longo da carreira, o ciclista do Cazaquistão venceu
provas curtas, como a Liege-Bastogne-Liege e a Amstel Gold Race (2 vezes),
médias, como a Paris-Nice (2 vezes, em uma delas, sofreu com a morte de um
companheiro de equipe durante a prova e subiu ao pódio exibindo sua foto), e
longas, como a Vuelta a Espanha, em 2006. Em meados da última década, seu “auge”
teve vitórias em quatro etapas do Tour de France, incluindo uma controversa
chegada no Champs-Élysées em 2005.
Por algumas edições da mais tradicional prova ciclística do mundo,
foi credenciado como um dos prováveis caras que superariam Lance Armstrong,
assim como o foram Ivan Basso, Jan Ullrich e Iban Mayo. Chegou à 3ª posição em
2003 e à 5ª em 2005. Muitas vezes era visto mais como adversário do que como companheiro
de equipe de Ullrich e Andreas Kloden na T-Mobile, em seus últimos anos na
equipe. Por acreditar que poderia superar Armstrong sozinho e que não deveria
estar à sombra dos alemães, comprometia o trabalho da equipe, que poderia até
ver dois ciclistas no pódio do Tour, mas nunca na posição mais alta. (O norte-americano
George Hincapie deve discordar de sua postura. Recordista em participações no
Tour, com 17 aparições, sabia o papel – de coadjuvante – que tinha dentro de
sua equipe, mas levou seus capitães a 9 conquistas – 7 com Armstrong, 1 com
Alberto Contador e 1 com Cadel Evans).
Há um ano, carregado e com o fêmur quebrado |
Em 2006, às vésperas do Tour, sua nova equipe, a Astana, teve
cinco ciclistas pegos no exame antidoping e ficou sem o mínimo de inscritos
para a prova. Em 2007, Vinokourov abandonou no meio da competição após ser pego
em exame antidoping e chegou a dizer que iria se aposentar. Voltou depois de 2
anos de suspensão e, em 2011, rolou em uma curva e teve o fêmur fraturado (vídeo da confusão).
Precisou abandonar novamente o Tour e anunciou aposentadoria, aos 37 anos. Mais
uma vez, voltou da aposentadoria. Foi coadjuvante no Tour de 2012, mas
completou – em 31º, há 1 semana.
Há uma semana, montado |
Sim, 3488 km percorridos em 23 dias. Quase 89 horas pedalando. Com
38 anos. Uma semana depois, meros 250 km em uma certa competição que atende
pelo nome de Olimpíadas. Em Londres. Todos os holofotes no ídolo Mark
Cavendish, sprintista dono de 23(!) etapas do Tour de France, no baixo de seus
27 anos.
Apesar de ser mais longa, em km, do que qualquer etapa do Tour, a
prova de estrada que abriu as Olimpíadas na manhã deste sábado trazia muitas
semelhanças, o que reforçava o favoritismo de Cavendish – além de toda
expectativa pelo primeiro ouro britânico em casa. E se não fosse o britânico,
quem seria? Outro sprintista, é claro. Como o eslovaco Peter Sagan e o alemão
Andre Greipel, campeão e vice na categoria no Tour, há uma semana. Com 22 e 30
anos, respectivamente.
A típica prova que só sprintistas poderiam ganhar. Longa, mas que
o pelotão percorreria em ritmo de passeio. Só no final, aqueles que descansaram
(a maioria) e com características de velocidade para a chegada (minoria) estariam
no pódio. E, uma semana depois de completar a disputa esportiva conhecida como
a mais exigente fisicamente do mundo, o vovô Vino estava pronto para atacar o
pelotão antes que ele o atacasse, nos quilômetros finais. Surpreendentemente, ele
e o colombiano Rigoberto Uran Uran não foram alcançados. Entre os 38 anos do
cazaque e os 25 do colombiano, a experiência levou.
Com o ouro em mãos, Vinokourov disse que terminou o Tour de France
um pouco cansado, mas eram as Olimpíadas, ele precisava ir. Não precisava dizer
mais nada. Mas concluiu: “Eu encerro
minha carreira com essa vitória”. Ele ainda disputa o time trial quarta-feira.
Se dessa vez a aposentadoria vai ser verdadeira, veremos. Se o clichê de que “o
atleta morre a primeira vez quando se aposenta profissionalmente do esporte”
pode ser usado, Vinokourov tem algumas vidas. E também vale o clichê de que ele
“vai em paz”.
Hoje, com 38 anos, mordendo |
Depois da
curva
Ainda entre os vovôs, menção honrosa ao australiano Stuart O’Grady,
38 anos. Completou o Tour de France em quase 90 horas e meia e terminou na 6ª
posição em Londres. E tem modalidade que precisa acontecer fora do “período
olímpico” pra dar tempo de descanso...
Derrapada
O risco de escrever sobre ciclismo é daqui um tempo aparecer doping
pra algum(ns) dos vencedores. Se for o caso, ah, sei lá.
Na reta
3488 km percorridos em 23 dias, por quase 89h pedalando + 1 semana
de descanso + 38 anos de idade = 250 km percorridos em quase 6 horas pelo ouro
olímpico. Resolvendo a matemática, o valor da medalha é razoavelmente alto.